Uma abordagem que nunca deveria acontecer
João, 22 anos, voltava para casa depois de um longo dia de trabalho. Mochila no ombro, fone de ouvido, pensamentos dispersos. No caminho, percebe um policial se aproximar. “Mãos na cabeça!” – ordena o agente. Sem entender, João obedece. Enquanto é revistado, vê outros pedestres passarem sem serem incomodados. Todos brancos.
Ele não fez nada. Mas seu tom de pele parecia ter determinado sua culpa antes mesmo de qualquer suspeita real.
Essa cena não é ficção. Acontece todos os dias. O perfilamento racial transforma a cor da pele em um fator de suspeição, violando direitos e perpetuando desigualdades. Mas por que ainda naturalizamos isso?
O que é o perfilamento racial?
O perfilamento racial é uma prática discriminatória que envolve a seleção de indivíduos para abordagens policiais ou segurança privada com base em características físicas — principalmente a cor da pele. O policial ou agente de segurança, muitas vezes sem perceber, faz uma associação entre raça e criminalidade. A ideia de que pessoas negras, por exemplo, são mais propensas a serem criminosas é uma falsa premissa, construída ao longo de séculos de discriminação e preconceito.
Esse tipo de abordagem ocorre não só nas ruas, mas também nos shoppings, nas lojas e em qualquer lugar onde haja segurança privada. E, embora a polícia ostensiva tenha como missão proteger, muitas vezes ela acaba sendo usada para vigiar, monitorar e até controlar a população negra, em um ciclo vicioso que só reforça o estigma racial.
As consequências do perfilamento racial
Ser alvo de uma abordagem policial não é apenas um constrangimento momentâneo, mas algo que impacta profundamente o indivíduo, psicologicamente e socialmente. A sensação de ser “visto como culpado” antes mesmo de qualquer ação é humilhante e traumatizante. Esse tipo de tratamento gera ansiedade, medo e desconfiança em relação às autoridades.
Além disso, o perfilamento racial contribui diretamente para a seletividade penal e o aumento do encarceramento da população negra. Estudos mostram que negros têm maiores chances de serem abordados, revistados e até presos, mesmo quando não há indícios concretos de envolvimento em atividades ilícitas.
O que muitas vezes ocorre é uma criminalização da identidade racial, onde o simples fato de ser negro é visto como um “indício de culpa”.
Esse processo não é só psicológico, mas também institucional. Quando policiais e seguranças se baseiam em estereótipos e preconceitos raciais para fazer suas abordagens, eles não só violam os direitos de quem é abordado, mas também minam a confiança da sociedade nas instituições de segurança pública.
Isso cria um ciclo de desconfiança e marginalização, onde as vítimas do perfilamento raramente têm acesso à justiça ou à reparação de danos.
O que isso diz sobre nossa sociedade?
Quando aceitamos o perfilamento racial como algo “normal” ou inevitável, estamos naturalizando a desigualdade e perpetuando um sistema de exclusão e violência. A ideia de que a cor da pele pode definir a posição de alguém na sociedade não é um vestígio do passado, mas uma realidade cotidiana que impacta milhões de pessoas.
Isso revela, de forma clara, o quanto o racismo está enraizado nas estruturas sociais e institucionais. O perfilamento racial não é apenas um erro individual de policiais ou seguranças, mas uma falha sistêmica que reflete a discriminação estrutural.
A sociedade brasileira ainda não se livrou dos estigmas históricos que associam a negritude à criminalidade, e isso se reflete na prática cotidiana do sistema de justiça e da segurança pública.
Como combater o perfilamento racial?
Combater o perfilamento racial exige mais do que uma mudança de comportamento individual. É necessário um movimento coletivo e institucional para erradicar as práticas discriminatórias nas polícias e nas empresas de segurança privada.
Isso passa por treinamentos de conscientização racial para os agentes de segurança, mas também por uma revisão profunda das políticas públicas de segurança, com foco na igualdade e no respeito aos direitos humanos.
Além disso, é fundamental que a sociedade como um todo se envolva ativamente, denunciando abusos e exigindo mais responsabilidade e transparência das autoridades. A mudança começa com a educação e o questionamento das normas estabelecidas, com a percepção de que a cor da pele nunca deveria ser usada como critério de suspeição.
As injustiças silenciosas: acusações baseadas na cor da pele
A prática do perfilamento racial não é um incidente isolado; ela está inserida em um contexto de injustiças históricas e sistêmicas que permeiam a sociedade brasileira. Acusar alguém de um crime ou tratá-lo como suspeito por causa de sua cor de pele não é apenas uma prática discriminatória, mas uma violação constante dos direitos humanos.
As consequências de ser alvo de suspeitas injustas podem ser devastadoras. Muitos negros são detidos sem motivos legítimos, só para serem liberados mais tarde, após horas ou dias de humilhação e sofrimento.
Outros, infelizmente, não têm a mesma sorte e acabam sendo processados ou até encarcerados por crimes que não cometeram, apenas porque a sociedade e o sistema de justiça veem suas peles como evidência de culpa.
Essas injustiças são silenciosas, mas suas repercussões ecoam profundamente na vida das vítimas e na sociedade como um todo. O estigma de ser considerado culpado por ser negro dificulta a reconstrução da vida após uma abordagem violenta, uma prisão injusta ou uma acusação sem fundamento.
Os danos psicológicos, sociais e econômicos são imensos, mas, ainda assim, muitas vezes invisíveis para aqueles que não enfrentam a realidade do racismo.
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A cor da pele não define absolutamente nada!
Em um país como o Brasil, onde a população negra representa mais da metade dos cidadãos, o perfilamento racial é uma injustiça que precisa ser combatida com urgência. Não podemos mais permitir que as pessoas sejam tratadas como suspeitas por algo tão inerente a elas quanto sua cor de pele.
O racismo é um mal que afeta a todos — e a solução passa por uma mudança profunda nas atitudes, nas leis e nas práticas institucionais.
É hora de parar de naturalizar a violência e começar a lutar por um sistema de justiça mais justo para todos. Afinal, a verdadeira segurança não vem da vigilância constante sobre os negros, mas da construção de uma sociedade mais igualitária e livre de preconceitos.
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Dra. Andréa Cristhianni é advogada especializada em direitos humanos, com um compromisso profundo na defesa de pessoas e grupos vulneráveis. Sua atuação é pautada pela busca incessante pela justiça e pela proteção dos direitos fundamentais, trabalhando para garantir a dignidade, liberdade e igualdade para todos.