Oração Não É Arma: Intolerância Religiosa e o Discurso de Ódio

Intolerância religiosa é racismo

No Brasil, onde a liberdade religiosa é assegurada pela Constituição, por que ainda vemos terreiros destruídos, imagens quebradas, cultos interrompidos e fiéis sendo hostilizados por sua fé?

A intolerância religiosa tem se escondido sob o manto da fé, disfarçada de zelo espiritual. Mas quando orações se transformam em instrumentos de ataque e a crença do outro vira alvo de desprezo, estamos diante de algo muito mais grave: o discurso de ódio.

Neste artigo, vamos compreender os limites da liberdade religiosa e como a Constituição Federal e a Lei do Racismo protegem a diversidade de crenças no país.

Liberdade Religiosa na Constituição: Um Direito de Todos

A liberdade religiosa é um dos pilares da nossa Constituição. Está expressa no artigo 5º, incisos VI e VIII:

VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política.

Além disso, vivemos em um Estado laico — o que significa que o poder público não adota nem favorece qualquer religião. Isso garante que todas as manifestações religiosas tenham espaço, e que nenhuma seja imposta à população como verdade absoluta.

Mas a liberdade religiosa, como qualquer direito fundamental, não é um salvo-conduto para atacar outras crenças. Ela deve conviver em harmonia com outros direitos, como a dignidade da pessoa humana, a igualdade e o respeito à diversidade.

Quando a Fé Ultrapassa o Limite: O que é Discurso de Ódio Religioso?

O discurso de ódio ocorre quando há incitação à discriminação, violência ou preconceito contra pessoas ou grupos com base em características como raça, religião, orientação sexual ou origem.

No campo religioso, isso se manifesta quando líderes, fiéis ou instituições atacam verbalmente outras crenças, associando-as ao mal, ao crime ou à inferioridade. Criticar uma doutrina é legítimo; demonizar fiéis por sua escolha religiosa é intolerância.

Exemplo: dizer “não sigo o candomblé por questões pessoais” é diferente de afirmar que “o candomblé é demoníaco e seus praticantes são perigosos”. O primeiro é liberdade de expressão. O segundo, crime.

Oração Não É Arma: Fé Usada para Propagar o Ódio

Infelizmente, não são raros os casos em que a fé é usada como escudo para espalhar intolerância. Em nome de uma suposta missão de “salvar almas”, atacam-se tradições afro-brasileiras, povos originários e religiões minoritárias, especialmente nas periferias urbanas, onde a vulnerabilidade social favorece a violência simbólica — e, muitas vezes, física.

Templos são invadidos, símbolos religiosos são queimados, praticantes são coagidos a abandonar sua fé. Isso não é evangelização. É opressão.

E mais: é crime.

Intolerância Religiosa é Crime de Racismo

A Lei nº 7.716/1989, conhecida como Lei do Racismo, tipifica condutas discriminatórias, inclusive por motivo de religião. Em seu artigo 20, ela é clara:

Art. 20 – Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

A pena pode chegar a até cinco anos de reclusão, além de multa. E mais: desde a alteração da lei e decisões recentes do Supremo Tribunal Federal, os crimes de intolerância religiosa podem ser considerados formas de racismo, o que os torna inafiançáveis e imprescritíveis.

Isso é especialmente importante no contexto das religiões de matriz africana, frequentemente alvos de ataques que misturam preconceito racial e intolerância religiosa. A luta pela liberdade de culto, nesses casos, é também uma luta contra o racismo estrutural.

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Efeitos Sociais da Intolerância: O Silenciamento das Tradições

Quando uma religião é atacada, sua cultura, seus símbolos, seus saberes e suas histórias também o são. Intolerância religiosa não é apenas uma ofensa individual — é uma tentativa de apagar identidades coletivas.

Em muitos casos, isso gera medo, vergonha e até abandono da prática religiosa. Jovens são desestimulados a manter os ritos de seus ancestrais. Terreiros se tornam alvos e deixam de funcionar. Isso representa uma perda incalculável para a diversidade cultural do país.

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Conclusão: Respeitar a Fé do Outro Também É Um Ato de Fé

Liberdade religiosa significa poder acreditar — ou não — e expressar essa crença com segurança e respeito. Mas essa liberdade só existe plenamente quando ela vale para todos.

Fé que promove ódio não é fé: é intolerância disfarçada. O Estado brasileiro, através da Constituição e da Lei do Racismo, tem o dever de proteger a liberdade religiosa de todos os credos, e de punir quem faz da religião uma arma contra o outro.

Mais do que nunca, é hora de lembrar: oração não é arma. E respeito não é favor — é um direito.

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Advogada idealizadora do blog Direitoexplicado.com

Dra. Andréa Cristhianni é advogada especializada em direitos humanos, com um compromisso profundo na defesa de pessoas e grupos vulneráveis. Sua atuação é pautada pela busca incessante pela justiça e pela proteção dos direitos fundamentais, trabalhando para garantir a dignidade, liberdade e igualdade para todos.

 

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