
Crianças conectadas, riscos ocultos
A infância e a adolescência são fases da vida que exigem proteção integral, como assegura a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). No entanto, com o avanço da tecnologia, surgiram novas formas de violência — mais silenciosas, muitas vezes invisíveis, mas igualmente devastadoras.
A internet abriu portas incríveis para aprender, brincar e se conectar — mas também trouxe perigos silenciosos, como o cyberbullying, o abuso online e o uso indevido da imagem de crianças e adolescentes. Por isso, precisamos conversar mais sobre esses riscos e, principalmente, agir com cuidado, empatia e informação.
Quais são os principais tipos de violência digital contra crianças e adolescentes?
A violência digital assume diversas formas e, muitas vezes, acontece sem que os adultos ao redor percebam. Entre as práticas mais recorrentes estão:
Cyberbullying: insultos, humilhações ou ameaças feitas por meio de redes sociais, aplicativos de mensagens ou jogos online. A exposição constante pode gerar traumas graves, como depressão, ansiedade e até suicídio.
Grooming: aliciamento online de menores por adultos com intenções sexuais. Geralmente, o agressor se aproxima de forma sutil e conquista a confiança da criança antes de avançar para o abuso.
O envio e a divulgação de imagens íntimas sem autorização — muitas vezes chamados de “nudes vazados” — é uma prática grave e criminosa. Quando envolve adolescentes, o cuidado deve ser redobrado, pois além das consequências emocionais, há implicações legais importantes, mesmo que quem compartilhe também seja menor de idade. É fundamental orientar os jovens sobre os riscos e limites no uso da internet.
Exploração comercial: ocorre quando a imagem ou o corpo da criança é usado de forma indevida para gerar lucro, inclusive por meio de exposição em redes sociais sem autorização legal ou responsabilidade adequada dos responsáveis.
Dado preocupante: Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mais de 70% dos crimes sexuais contra crianças e adolescentes acontecem online.
Ações importantes:
- Crie um espaço de diálogo aberto: Fale sobre o uso da internet sem julgamentos. Deixe claro que a criança ou o adolescente pode confiar em você, mesmo que tenha cometido algum erro.
- Ensine sobre consentimento e privacidade: Ajude-os a entender que ninguém tem o direito de expor a intimidade de outra pessoa — e que respeito e empatia também valem no mundo virtual.
- Incentive o uso consciente das redes sociais: Estimule a reflexão sobre o que vale (ou não) ser postado. Desenvolver o pensamento crítico digital é um passo essencial para a proteção online.
O que diz a lei sobre crimes digitais contra menores?
O ordenamento jurídico brasileiro conta com diversas normas que podem (e devem) ser usadas na defesa de crianças e adolescentes no meio digital:
O que diz o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990)
Essa lei foi criada para garantir que toda criança e adolescente no Brasil tenha seus direitos respeitados, como o direito à vida, à saúde, à educação e à proteção contra qualquer tipo de violência. O ECA afirma que eles devem ser prioridade absoluta nas ações do governo e da sociedade. O artigo 241 prevê punição para quem divulgar imagens com conteúdo sexual envolvendo menores.
Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014)
Essa lei estabelece regras para o uso da internet no Brasil, garantindo que as pessoas possam navegar com mais segurança e privacidade. Ela protege dados pessoais, estabelece a neutralidade da rede (ou seja, ninguém pode ter a internet cortada ou diminuída de acordo com o que faz online) e exige transparência das empresas que oferecem serviços de internet.
Lei Carolina Dieckmann (Lei nº 12.737/2012)
A Lei Carolina Dieckmann trata de crimes cibernéticos, como o roubo de informações pessoais e a invasão de dispositivos eletrônicos, como celulares e computadores.Essa lei passou a considerar crime a divulgação de fotos e vídeos íntimos sem autorização da pessoa envolvida, reforçando a importância do respeito à privacidade no ambiente digital.
Lei nº 13.431/2017
Esta lei estabelece que crianças e adolescentes vítimas de violência devem ser ouvidos de forma cuidadosa e sem traumas, por meio da “escuta especializada”, evitando que revivam a violência sofrida. Ela é aplicada em casos de abuso ou exploração sexual, por exemplo, para garantir que a vítima seja tratada com respeito e dignidade.
Exemplo prático: Imagine uma criança que sofreu violência e precisa contar o que aconteceu. Em vez de falar várias vezes com diferentes pessoas (como policiais, psicólogos e juízes), ela é ouvida uma única vez por um profissional capacitado, em um ambiente calmo e acolhedor. Essa conversa é gravada e usada durante o processo, evitando que a criança tenha que reviver a dor repetidamente. Essa é a “escuta especializada”, e seu objetivo é proteger a integridade emocional da vítima.
📌 Ponto de atenção: Ainda não há uma legislação específica sobre a superexposição infantil nas redes sociais promovida por influenciadores mirins e seus responsáveis, o que abre brechas para abusos.
Por que a educação digital é essencial na proteção de crianças e adolescentes?
A proteção digital começa com a educação para o uso consciente da tecnologia. Crianças e adolescentes devem ser orientados desde cedo sobre:
- O que pode ou não ser compartilhado;
- A importância do consentimento digital;
- Como identificar abordagens suspeitas;
- Onde buscar ajuda em casos de ameaça ou constrangimento
Além disso, é preciso que pais, responsáveis, professores e cuidadores estejam preparados para:
- Dialogar abertamente sobre os riscos da internet;
- Acompanhar a atividade online de forma respeitosa, sem invadir a privacidade.
- Ensinar o valor da empatia e do respeito online;
- Reportar imediatamente qualquer violação de direitos.
🎒 Exemplo concreto: Instituições de ensino que implementam workshops sobre cidadania digital e promovem discussões sobre cyberbullying notam uma redução significativa nos casos de violência virtual.
Como melhorar a segurança de crianças e adolescentes no ambiente online?
A responsabilidade é coletiva e passa por ações coordenadas entre família, escola, Estado e plataformas digitais:
- Políticas públicas que promovam inclusão digital com segurança;
- Campanhas de conscientização voltadas às crianças, com linguagem acessível;
- Capacitação de profissionais da educação e saúde para identificar sinais de violência digital;
- Estabelecimento de canais de denúncia acessíveis e de fácil utilização.
- Atualização da legislação para contemplar novas dinâmicas do ambiente virtual;
- Maior responsabilização de redes sociais e plataformas, exigindo moderação efetiva de conteúdos envolvendo menores.
📣 Inspiração internacional: Na França, o Parlamento aprovou em 2024 uma lei que obriga os pais a obter autorização judicial antes de publicar imagens de seus filhos menores de idade em redes sociais, abrindo precedentes importantes sobre o direito à privacidade infantil.
Conclusão: proteção digital começa com informação e responsabilidade coletiva
Proteger nossas crianças e adolescentes é tarefa urgente — e não apenas no mundo físico. A internet pode ser uma ferramenta de crescimento e criatividade, mas, para isso, precisa ser também um ambiente seguro.
O combate à violência digital não depende apenas de leis, mas da construção de uma cultura de cuidado, informação e diálogo. Cada clique, cada post, cada conversa importa.
👣 Vamos juntos tornar o ambiente digital um lugar de respeito, liberdade e segurança para todos os pequenos e jovens.
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Dra. Andréa Cristhianni é advogada com atuação voltada para os direitos humanos e a proteção dos grupos mais vulneráveis. Comprometida com a justiça social, ela dedica sua prática à defesa e promoção dos direitos fundamentais, atuando para garantir dignidade, liberdade e igualdade para todas as pessoas.