Como a fuga durante o cumprimento de pena afeta a progressão de regime e o livramento condicional
O peso do histórico na execução penal
Na execução penal, cada etapa é construída com base na conduta do apenado. Estudo, trabalho, respeito às regras e participação nas atividades da unidade prisional contam pontos. Mas e quando, no meio desse caminho, há uma fuga? A fuga muda completamente o rumo da execução penal. Ainda que o apenado retorne ao sistema, o histórico de evasão se torna um fator determinante nas futuras decisões da Justiça.
O que é o sistema progressivo na execução penal?
É esse sistema que regula a passagem do apenado por diferentes regimes, do fechado ao aberto, conforme seu comportamento e o tempo de pena cumprido. Ele prevê a transição do regime fechado para o semiaberto e, posteriormente, para o aberto — com base no tempo de pena cumprido e, principalmente, no comportamento do apenado.
A ideia é permitir que, aos poucos, a pessoa privada de liberdade possa reconquistar sua autonomia e retornar ao convívio social, desde que demonstre estar pronta para isso.
Por que a execução penal exige autorresponsabilidade e disciplina?
A progressão de regime não é um presente — é um direito que precisa ser conquistado. A execução penal se apoia na autorresponsabilidade: o apenado precisa demonstrar, com atitudes concretas, que está comprometido com sua própria ressocialização.
A autodisciplina, nesse contexto, é um dos pilares do sistema. O cumprimento das regras, o esforço para estudar e trabalhar, e o respeito aos servidores e aos colegas de cela são sinais de que o indivíduo está buscando evoluir dentro da pena.
Quando o apenado foge: o que a Justiça leva em conta depois?
A fuga (ou evasão) representa uma quebra de confiança no sistema. Mesmo que o apenado retorne voluntariamente ou seja recapturado, essa conduta fica registrada e pesa significativamente na análise do chamado mérito.
Isso significa que, mesmo tendo cumprido o tempo necessário para progredir de regime ou pedir o livramento condicional, a pessoa pode ter seu pedido negado pela falta de mérito — ou seja, pela conduta negativa registrada durante a execução.
O desafio da defesa: como argumentar após uma fuga?
A fuga é um ponto sensível na execução penal — e para a defesa, significa enfrentar julgamentos mais rigorosos e barreiras adicionais. É preciso demonstrar que o apenado, apesar do deslize, retomou sua jornada com responsabilidade e comprometimento.
Muitas vezes, os tribunais se mostram resistentes a conceder benefícios nessas situações. Por isso, é fundamental reunir provas de que houve mudança de postura, como certificados de cursos, relatórios de trabalho interno e boas avaliações da equipe técnica da unidade prisional.
Caso real: decisão judicial considerou estudo e trabalho mesmo após fuga
Recentemente, atuei em um caso em que o apenado havia fugido no passado, mas, após ser recapturado, passou a trabalhar regularmente e frequentar atividades educacionais. Em um agravo em execução, o relator do Tribunal de Justiça analisou cuidadosamente o histórico da pena e verificou que o apenado possuía dias remidos por estudo e trabalho, além de laudos positivos quanto à sua conduta atual. Apesar do registro da fuga, a decisão levou em consideração esse esforço e concedeu o benefício pleiteado.
Esse caso mostra que o Judiciário observa toda a trajetória do apenado. A fuga, por mais grave que seja, não necessariamente impede a concessão de direitos — desde que haja demonstração concreta de esforço e evolução pessoal.
Ficha disciplinar da execução penal: cada conduta pesa na decisão
Na execução penal, tudo conta. Cada anotação na ficha, seja positiva ou negativa, forma um conjunto de informações que embasa as decisões do juiz ou do tribunal. A fuga se torna um marco negativo nesse percurso. Mas a remição por estudo, o desempenho em atividades laborais e o bom comportamento também são registrados e, com o tempo, podem ajudar a equilibrar a balança.
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Conclusão: reconstruindo o mérito com esforço diário
A fuga é um passo atrás na execução penal, mas não um ponto final. O sistema progressivo se sustenta na ideia de que o apenado deve demonstrar, dia após dia, disciplina e evolução pessoal.
A cada dia de trabalho, a cada caderno escolar preenchido, o apenado pode mostrar que está disposto a reconstruir seu mérito. E cabe à defesa atenta, combativa e empática mostrar isso ao Judiciário.
O histórico importa — e o presente também. A justiça penal precisa de firmeza, mas também de sensibilidade para reconhecer quando há verdadeira transformação.
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Dra. Andréa Cristhianni é advogada especializada em direitos humanos, com um compromisso profundo na defesa de pessoas e grupos vulneráveis. Sua atuação é pautada pela busca incessante pela justiça e pela proteção dos direitos fundamentais, trabalhando para garantir a dignidade, liberdade e igualdade para todos.